Por Adriano Amaral
Demorei muito para chegar até aqui. Alias nem sei bem onde eu cheguei. Eu tive vários sonhos com marginais invadindo, roubando meu carro, fugindo deles nas favelas de uma cidade imaginária. Não havia percebido, até ontem, sobre a importância da pequenez e dos marginais.
Muitos irão pensar que comecei esse ensaio para exaltar a pequenez de Davi em relação ao Gigante Goliath. Claro que não! Muito menos sobre a pequenez da tartaruga em relação a lebre na fábula de Esopo. Na verdade é o oposto. Quero falar sobre a pequenez da Lebre que do alto de sua arrogância e velocidade sucumbiu a persistência da tartaruga. Do coitado do Goliath que confortável de sua força, não percebeu o golpe baixo e astuto de Davi.
Não pretendo também fazer um ensaio sobre o sofrimento dos excluídos dessas mesmas fabulas e histórias. Mas sim chamar a atenção para aquilo que sorrateiramente se apresenta: a pequenez. Ela sempre está ali. Quanto mais alto voamos e buscamos a grandeza, maior é a pequenez que se avizinha. O pior que geralmente nem reconhecemos a grandeza da pequenice. Porque não estamos desenhados a buscar essa grandeza pequena e reconhecê-la. Ao passo que a humanidade coleciona encontros entre o pequeno e o grande, na maior parte a própria divindade, que se apresenta ou vestido de mendigo, ou entra como um andarilho, ou como uma pequena pedra ou arbusto. Como estarmos aptos a reconhecer a grandeza? Abraçando e entendendo a pequenez. O melhor, vivendo essa mesma pequenez para que possamos senti-la.
Interessante que a pequenez se impõe. Se impôs ao Ícaro que buscava a grandeza dos céus. Ela chega sorrateira, te retira de um emprego em que se achava bem sucedido, te derruba do alto da tua soberba saúde, para te mostrar a fragilidade do seu corpo e mente. Ela esta sempre lá. Nos encontros amorosos é onde ela acaba sendo mais incrível. Buscamos a grandeza do principe encantado, da mulher perfeita, algumas vezes “Amélia”, mas esquecemos a pequenez dos sapos que precisam ser beijados. Beijamos o príncipe também, mas esse ai passa despercebido, por causa de nossa pueril imagem do príncipe e princesa. Esse ensaio é sobre a busca da grandeza, mas que coleciona diversas pequenezas. Ignoradas no inicio, subjugadas, marginalizadas, mas que nunca nos abandonam. Espero que seja util para vocês como está sendo para mim a descoberta, o desvelamento da pequenez.
O filho ungido
Toda história começa com um nascimento mágico, espiritual, divino. Afinal de contas, todos imaginamos gerar a luz a deuses e deusas. O filho e filha quando gestionamos está destinado a grandeza. Foda-se a pequenez, queremos distancia dela quando um filho é gestionado. Alias muitas vezes nos esquecemos de que os filhos foram gerados numa “foda mal dada”, numa “gozada indevida” ou ainda naquela parte incrivelmente “suja” do sexo que insistimos em negar (que delícia é toda essa pequenez sexual). Passamos uma borracha nessas “pequenices” e nos concentramos em como eles serão grandes homens e grandes mulheres. A minha não foi diferente. Filho primogênito, nascido de um espermatozoide ninja que segundo minha mãe, concebido sem penetração. O melhor que existia uma história sobre como os hindus tinham uma técnica de “gozar nas cochas” e gerar super homens. Pronto um super homem. Minha mãe diz que o dia que nasci foi mágico, faltou apenas a estrela de Belém. A infância então, nem se fala. Falei muito cedo, disse pérolas de sabedoria ainda no berço, reconheci aromas e odores que não eram desse mundo. Relembrando essa história comecei a me atentar para onde que estava a minha pequenez nessa época. Talvez na genitália pequenina, “pauzinho”. Aqui surge o que gosto de chamar “prisão da grandeza”. Você até tenta se desvincular dela, mas é difícil demais. Te pega do pior jeito: na sua afirmação como pessoa e na construção psicológica do seu ego. Você então cria uma capa de super homem, começa a ser elogiado por ela, e ai meu amigo vem a maior sacanagem dos pais e mães: a troca por afeto. Se voce faz seu dever, não briga com seus irmãos, vai a igreja e ora a seu Deus (merece um capitulo todo a parte), ai vem mais afeto e mais elogio. Como é bom isso. A pequenez está la, quando deseja comer um doce proibido, recebe uma bronca só para retornar a grandeza. A pequenez está la quando invejamos o brinquedo alheio. Mais a bronca é o melhor o julgamento alheio sobre sua pequenez. Coitada da pequenez. Sempre lá, mas sempre negligenciada.
Incrível no caso da alimentação infantil. A grandeza, na nossa sociedade politicamente correta, criou um sistema de crenças, pesquisas sobre como deve ser a alimentação dos pequeninos super homens. Gelatina só natural com suco de frutas. “Doce e açúcar? Nem pensar, embutido muito sódio”, “como o filho de fulano, come bem”, etc… A grandeza que almejamos para nossos filhos e filhas ignoram a pequenez com que as nossas pobres vidas são estruturadas. Casais que queriam apenas uma boa trepada, carentes em suas próprias demandas, se vêem presos a infortúnios e acabam por juntar os trapos. Mas essa é a parte da história que ninguém ira admitir, e que não vemos nos filmes do cinema (alias, outro capítulo sobre como o cinema vem abraçando a pequenez). Mas como criar grandes homens, o que vem a ser grandes homens? A resposta atual é estirpando a pequenez.
Vamos voltar ao nascimento do ser divino que vos escreve. Cresci em um lar estruturado, meu pai muito severo e seguro sobre como deveria conduzir a minha educação e de meus irmãos. Em particular no meu caso, o primogênito, ele caprichou. Estudar até mais tarde com o cinto do lado, sempre me diminuindo a cada erro em matemática. Minha mãe sempre preocupada em acolher o filho ungido, afinal de contas, quem era aquele brutamontes que estava tratando mal o pequeno eleito.
Continua…ainda sobre:
- Sobre os caçulas abandonados e suas infinitas possibilidades
- Juntando os trapos (sobre romances e como ignoramos a pequenez aqui)
- No trabalho (como ignoramos a pequenez no trabalho)
- Como a sociedade produz pequenez
- Nos vicios tão importantes (presença da pequenez)
- O perigo da ausência de grandeza (pessoas simples que nunca conheceram a grandeza)